O Complexo de Ilha e a Construção de uma Hiperidentidade Madeirense: Mitologia Nesológica, Diásporas e Regressos

Autores

  • José Eduardo Franco

Resumo

O discurso mítico, mitificador e mitificante é um método primigénio de conhecimento do mundo, associado ao nascimento da cultura, e foi pilar-construtor das raízes das civilizações. Poderíamos ser levados a pensar que o pensamento mítico e o seu método de construir visões interpretativas da realidade são dados culturais de um passado longínquo fixado na Antiguidade Clássica. Nada mais enganador. O discurso mítico é um dado permanente das culturas humanas, metamorfoseando-se em cada época e em cada contexto até aos nossos dias, em que o vemos recriado na capacidade sofisticada de criar mitos hodiernos, pelas técnicas avançadas da publicidade e do marketing.
A ilha da Madeira foi primeiramente “conhecida” e referenciada no plano do discurso mítico, situada no cordão atlântico das Ilhas Afortunadas, que a Idade Média recriou nas suas narrativas de viagens imaginadas, com maior ou menor fundo de realidade. Este imaginário, na verdade, povoou a mundividência dos navegadores tardomedievais e protomodernos que aportaram a estes territórios insulares e oficializaram a sua descoberta. Não é, pois, de espantar que os primeiros escritos que descrevem a Madeira “descoberta” sejam modelados, nas suas características mais distintivas, pela gramática do imaginário mítico em que classicamente se situava.
Se é verdade que a progressiva humanização da geografia insular madeirense conduziu ao desencantamento e à desmitificação deste espaço insular, com o choque da realidade e das agruras do povoamento, assistiu-se também, na produção dos discursos modernos e protocontemporâneos de construção da identidade cultural madeirense, a um singular processo de reencantamento da Madeira. Recorreu-se às possibilidades do discurso mitificador para o colocar ao serviço da construção de uma identidade singular do povo e do espaço habitado neste arquipélago no meio do Atlântico plantado.
São esses processos de mitificação, desmitificação e remitificação que observaremos e analisaremos criticamente, operando a sua hermenêutica, na esteira da mitocrítica. Avaliar-se-ão os usos e os significados dos discursos mitificadores dos autores que pretenderam conferir à Madeira um lugar singular na história das ilhas atlânticas e um papel de pivot enquanto protagonista relevante do movimento moderno que conduziu à globalização em que hoje vivemos.
A ressignificação mitificante das representações da Madeira, da sua singularidade e do seu papel na história da construção do novo mundo global vai modelar a cultura e a mentalidade madeirenses, com o desenvolvimento do que designamos como um complexo de hiperidentidade, intrinsecamente ligado ao complexo de ilha.

Palavras-chave: Madeira; Mito; Discursos Identitários; Atlântico; Globalização.

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Publicado

2025-05-16

Edição

Secção

Estudos / Ensaios